Como fonte histórica, a fotografia tem sido pouco utilizada. É pena, pois o passado também ficou ali, nessas imagens registadas em chapas de vidro, prontas a entregar o seu segredo a quem as saiba olhar com inteligência e sensibilidade. Ao lado dos documentos escritos, que serão sempre fundamentais, a imagem ajuda-nos a compreender o sabor de uma época.
Em certo sentido, com o advento da fotografia, a intimidade do quotidiano passou a ser violável. Qualquer espaço, em qualquer momento, tornou-se susceptível de ser penetrado pela lente do fotógrafo. Foi essa a curiosidade ambulante que nos deu o melhor das reportagens pioneiras, as de Lewis Hine ou de um Eugène Atget, e entre nós, as de um Joshua Benoliel ou de um Emilio Biel. Muito do que faz viver uma fotografia, um chaile lançado sobre os ombros de uma varina, os chapéus floridos das burguesas do Chiado, os cartazes do 1º de Maio, o semblante impenetrável dos emigrantes, ficou ali guardado, quase por graça divina.
A fotografia trouxe uma dimensão nova à iconografia tradicional. Basta comparar as lavadeiras ou os azeiteiros das gravuras do século XIII com os seus descendentes, vistos pela câmara de um fotógrafo, para se perceber a diferença. Não se nega que a fotografia possa ser tão artificial quanto a pior gravura, mas ninguém negará que ela introduziu potencialidades novas.
Por outro lado, ao permitir que grupos que a posteridade tenderia a esquecer pudessem ter acesso à imagem, a fotografia democratizou a memória. O óleo era iconografia dos poderosos, o retrato «à la minute» o luxo dos humildes. No princípio do século, as saloias dos arredores de Lisboa faziam-se fotografar, com gosto, pela fotografia relâmpago, como sucedeu nesse maravilhoso instantâneo que J. Benoliel registou um dia, no meio de uma feira.
Enquanto alguns personagens se deixavam fotografar de forma passiva, outros construíam deliberadamente a posse. Ao sair de Belém, os governantes empertigavam-se para que a posteridade os lembrasse no seu esplendor. Num raro momento de esperança, os grevistas ferroviários fizeram-se fotografar, em grupo, mandando depois encaixilhar o retrato num luxuoso «passe-partout» com data gravada e dourado. Também os revolucionários do 5 de Outubro lá foram ao fotógrafo, de bomba na mão para serem recordados em toda a sua glória. Não havia burguês que se prezasse que não tivesse tirado a sua fotografia a preceito, entre a família e o veludo do estúdio.
No princípio do século, as fotografias não se limitavam às cidades e aos seus protagonistas. Várias revistas ilustradas, com particular destaque para a Ilustração Portuguesa, contribuíram para mostrar, aos olhos curiosos dos alfacinhas, os exóticos costumes das gentes do Barroso ou as desérticas planícies alentejanas. Ao lado das reportagens sobre a China e os Andes, o Portugal rural entregava-se aos que não podiam partir para as grandes aventuras.
A ideia da conservação e utilização da fotografia por historiadores é relativamente recente. Não é pois de admirar que não sejam muitos os arquivos com espólios fotográficos arrumados e catalogados. Para além dos conjuntos depositados na Câmara Municipal de Lisboa, no Arquivo Nacional de Fotografia e na Biblioteca Nacional, existem certamente, por esse pais fora, colecções de que ninguém ouviu falar e que interessaria conservar e dar a conhecer.
Em certo sentido, com o advento da fotografia, a intimidade do quotidiano passou a ser violável. Qualquer espaço, em qualquer momento, tornou-se susceptível de ser penetrado pela lente do fotógrafo. Foi essa a curiosidade ambulante que nos deu o melhor das reportagens pioneiras, as de Lewis Hine ou de um Eugène Atget, e entre nós, as de um Joshua Benoliel ou de um Emilio Biel. Muito do que faz viver uma fotografia, um chaile lançado sobre os ombros de uma varina, os chapéus floridos das burguesas do Chiado, os cartazes do 1º de Maio, o semblante impenetrável dos emigrantes, ficou ali guardado, quase por graça divina.
A fotografia trouxe uma dimensão nova à iconografia tradicional. Basta comparar as lavadeiras ou os azeiteiros das gravuras do século XIII com os seus descendentes, vistos pela câmara de um fotógrafo, para se perceber a diferença. Não se nega que a fotografia possa ser tão artificial quanto a pior gravura, mas ninguém negará que ela introduziu potencialidades novas.
Por outro lado, ao permitir que grupos que a posteridade tenderia a esquecer pudessem ter acesso à imagem, a fotografia democratizou a memória. O óleo era iconografia dos poderosos, o retrato «à la minute» o luxo dos humildes. No princípio do século, as saloias dos arredores de Lisboa faziam-se fotografar, com gosto, pela fotografia relâmpago, como sucedeu nesse maravilhoso instantâneo que J. Benoliel registou um dia, no meio de uma feira.
Enquanto alguns personagens se deixavam fotografar de forma passiva, outros construíam deliberadamente a posse. Ao sair de Belém, os governantes empertigavam-se para que a posteridade os lembrasse no seu esplendor. Num raro momento de esperança, os grevistas ferroviários fizeram-se fotografar, em grupo, mandando depois encaixilhar o retrato num luxuoso «passe-partout» com data gravada e dourado. Também os revolucionários do 5 de Outubro lá foram ao fotógrafo, de bomba na mão para serem recordados em toda a sua glória. Não havia burguês que se prezasse que não tivesse tirado a sua fotografia a preceito, entre a família e o veludo do estúdio.
No princípio do século, as fotografias não se limitavam às cidades e aos seus protagonistas. Várias revistas ilustradas, com particular destaque para a Ilustração Portuguesa, contribuíram para mostrar, aos olhos curiosos dos alfacinhas, os exóticos costumes das gentes do Barroso ou as desérticas planícies alentejanas. Ao lado das reportagens sobre a China e os Andes, o Portugal rural entregava-se aos que não podiam partir para as grandes aventuras.
A ideia da conservação e utilização da fotografia por historiadores é relativamente recente. Não é pois de admirar que não sejam muitos os arquivos com espólios fotográficos arrumados e catalogados. Para além dos conjuntos depositados na Câmara Municipal de Lisboa, no Arquivo Nacional de Fotografia e na Biblioteca Nacional, existem certamente, por esse pais fora, colecções de que ninguém ouviu falar e que interessaria conservar e dar a conhecer.